Pterossauros e pterossauros...

quinta-feira, maio 07, 2009

Um caminho para o gigantismo?

Estudo revela detalhes anatômicos relacionados à respiração e ao tamanho dos pterossauros

Entender como viviam e funcionavam animais que estão extintos há milhões de anos não é uma tarefa fácil. Mesmo assim, por meio de comparações anatômicas detalhadas e do emprego de novas técnicas e equipamentos cada vez mais sofisticados, os paleontólogos têm conseguido avançar na compreensão de várias questões biológicas dos organismos fossilizados.

Leon Claessens (College of the Holy Cross, Massachusetts, Estados Unidos) e colaboradores acabam de dar mais um passo nessa direção. Em estudo publicado na PLoS One, eles descrevem um novo modelo para a respiração dos pterossauros que pode ter levado ao gigantismo de alguns desses répteis voadores.

Os pterossauros formam um dos mais interessantes – e intrigantes – grupos de vertebrados que já surgiram na face da Terra. Os exemplares mais antigos encontrados até hoje procedem de depósitos formados há 215 milhões de anos (a origem do grupo é mais antiga, estimada em torno de 228 milhões de anos atrás). Esses répteis voadores se extinguiram há 65 milhões de anos, juntamente com a maioria dos dinossauros.

Restos de pterossauros foram encontrados em praticamente todos os continentes. Suas formas são bem variadas, inclusive em tamanho: vão desde o Nemicolopterus crypticus da China, que tinha abertura alar de 25 centímetros, até o Quetzalcoatlus northropi do Texas (Estados Unidos), que atingia aproximadamente 10 metros de uma ponta à outra da asa – um verdadeiro gigante.


Esqueleto do pterossauro Rhamphorhynchus (acima). Abaixo, detalhe das costelas esternais, que tinham protuberâncias onde se inseriam músculos (imagens: PLoS One).

A origem do voo ativo

O aspecto mais fascinante dos pterossauros não é apenas o seu tamanho ou o fato de eles terem dominado os céus do planeta por mais de 150 milhões de anos, mas sim a proeza de serem os primeiros vertebrados a desenvolverem o voo ativo – e isto bem antes das aves e dos morcegos, os únicos grupos de vertebrados além dos pterossauros com essa característica.

Por isso, muito se especula a respeito do metabolismo desses répteis voadores: se eram animais endotérmicos, que poderiam controlar a temperatura de seu corpo, como fazem as aves; ou se eram ectotérmicos, com a temperatura do corpo sendo mais influenciada pela temperatura externa, como é o caso da maioria dos répteis atuais. A respiração, segundo os pesquisadores, é questão fundamental nessa discussão.

Estudos anteriores partiam do princípio de que a região torácica dos pterossauros não tinha grande mobilidade, pois o esterno (osso situado na parte ventral do tórax) se mantinha em posição relativamente fixa. Dessa forma, não haveria uma maior participação da região torácica no bombeamento do ar para os pulmões, uma característica associada a animais ectotérmicos.

Novo modelo respiratório

Leon Claessens e seus colegas resolveram então examinar em detalhe a região torácica de três gêneros de pterossauros: Rhamphorhynchus (o mais primitivo dos três), Pteranodon e Anhanguera. Além de analisar os exemplares fósseis em si, eles também realizaram tomografia computadorizada do material, sobretudo de um esqueleto Anhanguera procedente da Formação Santana, no Brasil, cujos ossos estão preservados de forma tridimensional e sem apresentar grandes distorções.


Modelo de respiração dos pterossauros Rhamphorhynchus (acima) e Pteranodon (abaixo). A musculatura associada às costelas e as costelas esternais permitiam um deslocamento do esterno e das costelas durante a inspiração (setas azuis e sombra rosa), o que contradiz modelos anteriores, segundo os quais esse conjunto de ossos não apresentaria qualquer movimento.

A equipe observou que o esterno dos pterossauros era ligado às costelas por um segundo grupo de ossificações, chamadas de costelas esternais. Essas costelas esternais não tinham tamanho uniforme – as posteriores eram maiores do que as anteriores – e todas possuíam protuberâncias laterais, que seriam base para os músculos da região. Assim, ao comprimirem e expandirem essa musculatura, os pterossauros podiam mover todo o conjunto, incluindo o esterno.

Além disso, os pterossauros possuíam um osso único na frente da bacia chamado de pré-pubis, que também poderia se movimentar para cima e para baixo, participando, assim, da atividade respiratória dos animais. Logo, apesar de a área dorsal da região torácica ser rígida, a parte ventral, onde se localiza o esterno, poderia se mover (por intermédio das costelas esternais), bombeando ar para os pulmões.

Outro ponto levantado por Claessens e seus colegas é a presença de cavidades pneumáticas em diversos ossos do esqueleto dos pterossauros. Esse tipo de estrutura é semelhante à encontrada em aves, que têm essas cavidades preenchidas por sacos aéreos diretamente vinculados à respiração. Dessa forma, o novo estudo sugere que o sistema de respiração dos pterossauros era análogo ao das aves – animais endotérmicos. Esse complexo sistema de sacos aéreos também já foi encontrado em um dinossauro carnívoro descoberto na Argentina, como mostramos anteriormente nesta coluna.

Gigantismo

Um segundo ponto interessante do estudo publicado na PLoS One é a observação de que ossos pneumáticos (preenchidos por ar), particularmente nos membros anteriores, são comuns em pterossauros de maior porte (acima de 2,5 metros de abertura alar) e mais raros em formas menores. Por serem ocos, a densidade dos ossos é comparativamente menor, o que provoca diminuição no peso do esqueleto – uma vantagem para um animal alado.

Dessa forma, Claessens e colegas levantam a hipótese de que, à medida que o sistema de respiração dos pterossauros evoluía e os sacos aéreos invadiam outras partes do esqueleto desses animais, sobretudo os membros anteriores, abriu-se a possibilidade de os pterossauros atingirem tamanhos maiores. Ou seja, a evolução do mecanismo de respiração dos pterossauros fez com que eles pudessem atingir uma envergadura alar cada vez maior. Assim, acabaram surgindo formas gigantescas, como Pteranodon e Anhanguera, que podiam chegar a ter mais de 6 metros de uma ponta à outra da asa.


Reconstrução dos sacos aéreos presentes no pterossauro Anhanguera, com as posições dos pulmões (em laranja), dos sacos aéreos cervicais (em verde) e dos sacos aéreos abdominais (em azul). O sistema sugere que os pterossauros eram animais endotérmicos.

Naturalmente, uma pesquisa assim nunca pode ser vista como definitiva, pois existem questões não resolvidas. A mais importante é estabelecer se esse modelo é universal para todos os pterossauros, visto que o trabalho coordenado por Claessens envolveu apenas três gêneros dos mais de 180 conhecidos.

Agora pesquisadores têm que desenvolver mais estudos com uma diversidade maior de pterossauros para determinar se a teoria levantada se mantém. De qualquer forma, esse trabalho sobre os pterossauros mostra como uma pesquisa sobre fósseis pode se sofisticar ao procurar respostas para aspectos biológicos de um grupo totalmente extinto.

Não é apenas de pincéis, martelos e ponteiras que vivem os paleontólogos modernos...


Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
04/05/2009

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NOVA PESQUISA SOBRE PTEROSSAUROS NO PLOS ONE

Scaling of Soaring Seabirds and Implications for Flight Abilities of Giant Pterosaurs

Katsufumi Sato1*, Kentaro Q. Sakamoto2, Yutaka Watanuki3, Akinori Takahashi4, Nobuhiro Katsumata1, Charles-André Bost5, Henri Weimerskirch5

1 International Coastal Research Center, Ocean Research Institute, The University of Tokyo, Otsuchi, Iwate, Japan, 2 Graduate School of Veterinary Medicine, Hokkaido University, Sapporo, Japan, 3 Graduate School of Fisheries Sciences, Hokkaido University, Hakodate, Japan, 4 National Institute of Polar Research, Itabashi, Tokyo, Japan, 5 Centre d'Etudes Biologiques de Chizé-CNRS, Villier en Bois, Beauvoir/Niort, France
Abstract Top

The flight ability of animals is restricted by the scaling effects imposed by physical and physiological factors. In comparisons of the power available from muscle and the mechanical power required to fly, it is predicted that the margin between the powers should decrease with body size and that flying animals have a maximum body size. However, predicting the absolute value of this upper limit has proven difficult because wing morphology and flight styles varies among species. Albatrosses and petrels have long, narrow, aerodynamically efficient wings and are considered soaring birds. Here, using animal-borne accelerometers, we show that soaring seabirds have two modes of flapping frequencies under natural conditions: vigorous flapping during takeoff and sporadic flapping during cruising flight. In these species, high and low flapping frequencies were found to scale with body mass (mass−0.30 and mass−0.18) in a manner similar to the predictions from biomechanical flight models (mass−1/3 and mass−1/6). These scaling relationships predicted that the maximum limits on the body size of soaring animals are a body mass of 41 kg and a wingspan of 5.1 m. Albatross-like animals larger than the limit will not be able to flap fast enough to stay aloft under unfavourable wind conditions. Our result therefore casts doubt on the flying ability of large, extinct pterosaurs. The largest extant soarer, the wandering albatross, weighs about 12 kg, which might be a pragmatic limit to maintain a safety margin for sustainable flight and to survive in a variable environment.

Citation: Sato K, Sakamoto KQ, Watanuki Y, Takahashi A, Katsumata N, et al. (2009) Scaling of Soaring Seabirds and Implications for Flight Abilities of Giant Pterosaurs. PLoS ONE 4(4): e5400. doi:10.1371/journal.pone.0005400

Editor: Stuart Humphries, University of Hull, United Kingdom

Received: January 2, 2009; Accepted: April 9, 2009; Published: April 29, 2009

Copyright: © 2009 Sato et al. This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original author and source are credited.

Funding: Field studies at Crozet and Kerguelen islands (Terres Australes et Antarctiques Francaises) were financed by Institut Polaire Paul Emile Victor (IPEV program 109 and 394). This work was supported by grants from the Japan Society for the Promotion of Science (A19255001, B20780216) and the program “Bio-Logging Science of the University of Tokyo (UTBLS)” led by N. Miyazaki. The funders had no role in study design, data collection and analysis, decision to publish, or preparation of the manuscript.

Competing interests: The authors have declared that no competing interests exist.

* E-mail: katsu@ori.u-tokyo.ac.jp

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