Como outra Nomenklatura eliminou seus oponentes: sem vestígios!

quinta-feira, novembro 27, 2008

A Nomenklatura científica, como toda Nomenklatura, é antropofágica par excellence e elimina seus críticos e oponentes destruindo suas carreiras acadêmicas ou cerceando a liberdade acadêmica de se debater livremente idéias e teorias científicas que se contrapõem ao paradigma vigente. Houve outra Nomenklatura no Brasil que eliminou seus oponentes de modo diferente: não deixou vestígios!

Como Taís Morais, sou filho de militar. Só que naqueles anos de chumbo, eu lutei contra os ideais de meu pai.

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Esclarecimento do editor

No ano de 2003, fui procurado pelo jornalista Josemar Gimenez, diretor do jornal Correio Braziliense, que me apresentou a dois repórteres. Um deles, Eumano Silva, que trabalhava naquele jornal, e outra, Taís Morais, que então terminava seu curso de jornalismo e era assessora do Ministério de Minas e Energia. Eles pretendiam escrever um livro sobre a guerrilha do Araguaia.

Eumano fora convidado por Taís Morais, filha de um militar, para trabalhar com ela, em razão de o repórter ter ido à região e feito uma série de reportagens sobre os mateiros que na época da guerrilha tinham ajudado o Exército na caçada aos guerrilheiros do Partido Comunista do Brasil, PcdoB.

Taís possuía cerca de 1.000 folhas de documentos, cópias fiéis dos documentos oficiais da guerrilha. Esses documentos serviram de base para o livro Operação Araguaia – os arquivos secretos da guerrilha, que a Geração publicou em 2005, tornou-se um dos mais vendidos na época e ganhou o prestigiado Prêmio Jabuti para livros de reportagem.

A obra reúne parte do trabalho de Eumano, uma pesquisa impressionante conduzida por Taís e, sim, os documentos, cuja íntegra, com mais de mil páginas, está hoje, para quem quiser ver, no web site de nossa editora.

Os militares continuam afirmando que estes documentos nunca existiram ou foram destruídos. Agora eles vão ter que negar o conteúdo espantoso deste livro, mais uma vez escrito por Taís Morais. Foi, sem dúvida, porque ela escreveu “Operação Araguaia” e nossa editora o publicou que, um dia, como naqueles romances de séculos passados, uma pasta volumosa chegou a nós pelo correio, endereçada por uma mulher que pedia segredo para seu nome.

Ela telefonou dias depois, para confirmar o recebimento, e pediu para marcar um encontro, o que foi feito. Tivemos um único encontro fugaz e tenso, no qual ela falou com justificada preocupação sobre os papéis, dos quais parecia mesmo querer se livrar — diante de condições, a principal delas sendo, claro, o total sigilo a respeito de sua autoria. Ela tinha razões para o medo.

A pasta continha um conjunto de papéis manuscritos em forma de diário e alguns capítulos do que pretendia ser um livro. Havia também algumas poucas fitas e recortes de jornais. O material parecia ter sido escrito até o início dos anos 90, em razão de um manuscrito que contém essa data e aparecia como a página inicial de toda a documentação.

O material era impressionante, pela qualidade terrível das revelações. Um ex-agente secreto, que parecia ter morrido recentemente, deixara aquilo para a ex-mulher, com a recomendação de mandar publicar. Mas não era um livro. Precisava de pesquisa para preencher lacunas, precisava de confirmações. Precisava ser checado, informações graves precisavam ser confirmadas, o texto pedia, mais que revisão, tratamento de reportagem. Os documentos eram um ponto de partida.

Chamei Taís Morais para cuidar do assunto, e o resultado é este “Sem vestígios”. Um relato impressionante do que foi a guerra suja entre as forças de repressão e os grupos de esquerda, do final dos anos 60 a meados dos anos 70 em nosso país, mais alguma coisa sobre a ação dos agentes militares até meados dos anos 80, quando a ditadura militar entregou o poder para os civis. Sem que estes agentes parassem de bisbilhotar a vida dos cidadãos até hoje, como se poderá saber.

O trabalho de Taís foi doloroso. Boa parte de suas fontes — as mesmas que lhe possibilitaram escrever Operação Araguaia — surpreenderam-se com o conteúdo do novo livro e no início recusaram-se a colaborar. Tocar em feridas do passado não é coisa que convinha à maior parte deles. No entanto, era preciso confirmar não só a veracidade das revelações como do próprio autor delas.

Todas as informações foram, de uma forma ou outra, confirmadas por outros ex-agentes que conviveram com o autor destas memórias e que também, por razões óbvias, pediram para continuar no anonimato. Hoje elas levam sua vida de aposentados, com outras identidades, e preferem, claro, continuar assim. Um deles, envolvido com o jogo do bicho no Rio, não foi ouvido. Outro, o coronel Lício Augusto Maciel, que participou ativamente da guerrilha no Araguaia, forneceu informações exclusivas, que estão em Anexo, no final deste livro.

Pelo menos duas das fontes de Taís levaram à certeza de que o ex-agente morto tivera papel muito importante nas ações narradas. Uma das fontes nos leva a crer que o autor destas memórias morreu misteriosamente, no Rio de Janeiro, com uma machadada na cabeça, dentro de seu barco. Estava aposentado havia vários anos e andava próximo de um grupo traficante de drogas — não sabemos se como interessado ou como infiltrado. Sua morte, estranhamente, jamais foi investigada.

Esse atormentado agente recomendou que seu relato fosse aberto com a chocante história da morte e esquartejamento do comunista David Capistrano. Eu e Taís decidimos manter o relato em sua forma cronológica. O resumo que o agente deixou escrito, por si só — o resumo que abre o depoimento reconstituído por Taís — já é de um impacto avassalador. Melhor que a história flua ao correr dos dias, como a própria vida.

O Editor

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Entrevista com Taís Morais

Depois de ficar tanto tempo na pesquisa sobre a Guerrilha Araguaia, você esperava ter em mãos um material tão carregado quando o diário do agente Carioca?

Não. Eu sempre esperei terminar as investigações sobre o Araguaia. Queria que as Forças Armadas assumissem a responsabilidade e que as ossadas retiradas do cemitério de Xambioá fossem identificadas. A pesquisa, por eu ser filha de militar, causa muito sofrimento para mim e minha família.

O que mais te surpreendeu, chocou, durante a leitura dos textos reveladores deste militar oprimido?

Acho que a força dele para contar os fatos, em momentos tão delicados emocionalmente. Nota-se que ele sabia que morreria, ou se mataria. No entanto, teve lucidez para relatar o que o Brasil sempre quis saber.

Teve medo de dar continuidade ao trabalho, verificar as informações que ele expôs? Quais os tipos de repressão que recebeu?

Tive receio. Não por mim, mas sim pela minha família. Tenho filhos, pai, mãe, irmãos. Sei que há pessoas que ainda gostam de assustar quem declara a verdade sobre os fatos. Não só da ditadura, mas qualquer fato que envolva, principalmente o poder, como foi o caso de um amigo jornalista ameaçado de morte há pouco tempo, por revelar o caso sanguessugas.

Mas sabe? Eu quero que a história seja esclarecida, doa a quem doer. De esquerda, de direita, ou de qualquer lado. Chega de hipocrisia. Chega de gente querendo se valer das mortes para se manterem ligadas ao poder...

Você sentiu-se na obrigação de saber como realmente era a vida dos militares? Há uma estimativa de quantos foram mortos por terem recusado exercer alguma ordem dos superiores, governo?

Sim. Saber, conhecer, e principalmente, entender. No entanto há um pacto de silêncio. Eles não contam. Se houve mais mortes além de Carioca, não me disseram. Mas tenho certeza que ninguém se recusou a cumprir ordens. Aquilo era uma lavagem cerebral...

Se fosse para resumir, como descreveria o agente Carioca?

Não sei... Pelo que percebi, um sedutor... Frio e calculista. Mas um homem amoroso com a família e companheiro dos amigos. No entanto, um bitolado com o trabalho. Alguém que não media esforços para realizar uma missão.

Como enxerga o Brasil na esfera política?

Está crescendo. No entanto, o nosso povo ainda está longe de se tornar uma nação. Parafraseio Nelson Rodrigues que dizia que o Brasil não tem nação, tem paisagem. Vejo, com desgosto, a falta de indignação com os atos do governo. Vejo com tristeza a corrupção e a falta de vontade política para tornar o Brasil um grande País.

Para você o tempo da “censura” já foi? Ou acredita que ainda há outras formas de repressão nesta sociedade democrática?

De certa forma já se foi. Acabou para a mídia que não é censurada pela imoralidade mostrada em seus programas. No entanto, os próprios meios de comunicação censuram artigos que falam a verdade. Hoje a censura é outra. Ela segue mais para o “calar a boca” de quem se rebela contra a falta de ética e outros crimes.

Na sua opinião, o que de mais grave esconde o período da ditadura militar?

O silêncio. A falta de responsabilidade com os atos cometidos. Nunca entendi a razão pela qual os militares mentem e escondem o que todo mundo sabe. Mataram. Executaram covardemente pessoas que queriam a liberdade do país. Ora, então porque não assumem logo o que fizeram? A União já “pagou” mesmo as indenizações para as famílias dos desaparecidos e dos mortos, e também para os que foram presos (um absurdo, diga-se de passagem).

Quero que os fatos da ditadura sejam esclarecidos. De verdade. Mas temo que os fatos graves que estão ocorrendo no país debaixo dos nossos olhos estejam sendo esquecidos.