Marcos Sá Corrêa: a diatribe do jornalista “leão” perrengue e estrábico

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Mais uma vez eu vou fazer aqui o papel do Advogado do Diabo dos criacionistas, mas por uma questão da defesa de um direito constitucional da livre expressão de pensamento.

Uma busca no Google por Marcos Sá Corrêa demonstra que o artigo “A ministra e o criacionismo” é mais um na linha persecutória que o jornalista segue tentando desestabilizar e destruir a carreira política da ministra Marina Silva, mulher guerreira que chegou onde está através de seus próprios méritos.
Destacado no JC E-Mail, órgão voltado para divulgação científica da SBPC, de 23/01/2008.

Defendo tenazmente o direito da livre expressão de Sá Corrêa, que não defende a livre expressão de uma ministra, mas esta sua “fixação” gratuita pela ministra Marina Silva revela uma profunda inveja e ódio puros por uma pessoa e por sua subjetividade religiosa. Isso é extremamente perigoso numa sociedade democrática plural: a inquisição sem fogueiras dos diferentes. Leia-se, os 35 milhões de evangélicos.

Em nome de uma suposta defesa do estado laico matizada por um profundo naturalismo filosófico pós-moderno, fundamentalista, chique e perfumado a la Dawkins, Sá Corrêa investe e distila ferozmente neste artigo o seu veneno de naja contra uma mulher que, segundo ele, “entrou em rota de colisão com Darwin” num “urgente debate do século 19”.

Leda ignorância do jornalista sobre assuntos científicos: quem entrou em rota de colisão com Darwin, não foi a ministra Marina Silva, foram as evidências encontradas na natureza. Elas se recusam terminantemente corroborar as especulações transformistas de Darwin.

O debate não é um do distante século 19 como asseverou Sá Corrêa. Ele continua vivo até hoje. Em pleno século 21, a teoria de Darwin do século 19, apesar de remendada no século 20 pelo neodarwinismo não consegue explicar no contexto da justificação teórica estas três questões epistêmicas fundamentais para o estabelecimento de quaisquer teorias da evolução:

A. Questões de Padrão, diz respeito à grande escala geométrica da história biológica: Como os organismos são inter-relacionados, e como que nós sabemos isso?

B. Questões de Processo, diz respeito aos mecanismos de evolução, e os vários problemas em aberto naquela área, e

C. Questões sobre a questão central: a origem e a natureza da complexidade biológica  a “complexidade biológica” diz respeito à origem daquilo que faz com que os organismos sejam claramente o que são: complexidade especificada da informação biológica.

Sá Corrêa é completamente ignorante destes aspectos epistêmicos fundamentais. Se soubesse, não teria escrito tanta bobagem sobre esta controvérsia não resolvida.

A Lei de Diretrizes Básicas (LDB) 9.394/96 preconiza no Art. 35, I, III que o ensino médio tem entre suas finalidades habilitar o educando a ser capaz de continuar aprendendo, a ter autonomia intelectual e pensamento crítico. Sá Corrêa e a Nomenklatura científica não desejam nada disso.

Os atuais PCNs do Ensino Médio, nas suas Diretrizes Curriculares Nacionais (Competências e Habilidades das Ciências Naturais) afirmam que o currículo deve permitir ao educando “compreender as ciências como construções humanas, entendendo que elas se desenvolvem por acumulação, continuidade ou ruptura de paradigmas...” e que “a ciência não tem respostas definitivas para tudo, sendo uma de suas características a possibilidade de ser questionada e de se transformar”.

Como educadora, a ministra Marina Silva ao defender um programa de “educação plural” que trate o evolucionismo [N. do blogger: as palavras terminadas em –ismo denotam doutrinas ideológicas] apenas como “mais um olhar” sobre a história natural, está bem acordo com a visão educacional sugerida à Unesco por Edgar Morin, francês, um dos maiores filósofos contemporâneos, escreveu o livro Os sete saberes necessários à educação do futuro. Mesmo sendo academicamente evolucionista, na sua sugestão para a educação do futuro, Morin assim se expressou:

"As ciências permitiram que adquiríssemos muitas certezas, mas igualmente revelaram, ao longo do século XX, inúmeras zonas de incerteza. A educação deveria incluir o ensino das incertezas que surgiram nas ciências físicas (microfísica, termodinâmica, cosmologia), nas ciências da evolução biológica e nas ciências históricas". [1]

O jornalista perrengue e estrábico é contra tudo isso! Quem é o verdadeiro defensor do obscurantismo? Eu acho que o Brasil deu azar de não ter Marina Silva como ministra da Educação. Por quê? Porque a “multiplicidade de olhares” traduz corretamente o conhecimento humano “transdisciplinar”. Não querer esta “multiplicadade de olhares” é querer blindar algumas teorias científicas das críticas, até mesmo as científicas.

A analogia de “no meio ambiente” e “no ministério do meio ambiente” é gratuitamente grotesca, mas demonizadora: os animais inferiores e até os vírus não pensam, mas a ministra Marina Silva, por ser evangélica, é extremamente “perigosa” por ter se convencido de que até agora, os cristãos só levaram ao pé da letra o preceito bíblico que os convida a “dominar a terra e tudo o que nela há”.

A “irracionalidade” da ministra foi sugerir que os cristãos assumam sua vocação de ser “sal da terra e luz do mundo”, obedecendo as prescrições “muito detalhadas” que a Bíblia recomenda “não matar a ave que está no ninho com filhote” ou “não destruir a floresta” na hora de arrasar uma cidade. Onde está o “perigo” e a “irracionalidade” desta recomendação, cara-pálida?

Ao comentar sobre o bestiário bíblico pinçando alguns exemplos de bestas que lhe convinha para jogar os leitores contra a ministra Marina Silva, pode se ver que o olhar da hermenêutica [será que Sá Corrêa sabe o que é isso? Adianto para ele que não é “comida impura” do cardápio francês] fez bastante falta aqui.

Segundo o “olhar hebraico” sobre a realidade, as impurezas de alguns animais até hoje são confirmadas pela ciência de que é melhor a abstenção deles no seu cardápio, principalmente para um povo que viveu muito tempo peregrinando no deserto e sem as profilaxias necessárias para permitir sua sobrevivência em ambiente hostil. Quanto às demais figuras de linguagem, elas existem em qualquer boa literatura que se preze. Até nos livros sagrados das concepções religiosas.

Sá Corrêa pode ficar descansado e dormir o seu profundo sono filosófico-naturalista a la Dawkins: essas classificações da fauna não estão em vigor no Ministério do Meio Ambiente. Se a ministra usou a águia e a relacionou como metáfora de sua resistência às armadilhas do governo contra seu ministério — resistindo “como a águia, que tem de quebrar o bico na pedra, arrancar penas e unhas, para nascer nova unha, novo bico”, ela não cometeu gafe como Sá Corrêa maldosamente lhe atribui tão-somente por não existir águia no Brasil.

Se formos seguir esta “pureza lingüística” a la Aldo Rebelo, Sá Corrêa, jornalista, não pode ser comparado como tendo a coragem de um “leão” nas suas diatribes perrengues e estrábicas: é que no Brasil não existe leão. O primo mais próximo é a onça.

Sá Corrêa pode ficar tranqüilo e sair de sua TPM [Tensão Provocativa de Ministras] que no Ministério do Meio Ambiente a Bíblia, o Alcorão, o Bhagavad Gita, o Adih Granth ou qualquer outro texto sagrado não são considerados tratados de ecologia. São mapas, apenas mapas. Regras de fé e prática.

O melhor caminho que a ministra tem para preservar a sua fé cristã evangélica, não é o sugerido por Sá Corrêa. O melhor caminho que Marina Silva tem é perseguir tenazmente não lançar a sua pérola entre os porcos.

Nota do blogger: As palavras perrengue e estrábico usadas no título descrevem alguém teimoso e birrento, com uma maneira errada, defeituosa de ver, de julgar, e de raciocinar [Aurélio].