Tirando o racismo de Darwin da reta

terça-feira, dezembro 18, 2007

No livro The Descent of Man, Darwin esposa idéias racistas baseadas na sua teoria geral da evolução através da seleção natural — povos ‘primitivos’ como os aborígenes australianos seriam ‘suplantados’ pelos povos ‘superiores’ [leia-se os europeus].

Mas você já viu isso nas exposições de louvaminhice a Darwin feitas pela Nomenklatura científica [vide recente Exposição Darwin no MASP]. Na Grande Mídia internacional e tupiniquim prevalece agudamente a ‘síndrome ricuperiana’: o que Darwin tem de bom, a gente mostra; o que Darwin tem de ruim, a gente esconde!

Recentemente James Watson, laureado com o Prêmio Nobel em 1962, afirmou que se sentia “inerentemente pessimista quanto às perspectivas da África” e de seus cidadãos, porque “todas as nossas políticas se baseiam no fato de que a inteligência deles equivale à nossa, enquanto os testes apontam no sentido contrário”.

A afirmação ‘racista’ de Watson foi veementemente condenada pela Nomenklatura científica internacional e tupiniquim, mas ele estava simplesmente sendo um ‘darwinista ortodoxo’. Eu não vi a Nomenklatura científica caindo de pau em cima de Darwin. Você viu?

Sérgio Penna, renomado professor da UFMG, disse que Watson ‘estava gagá e querendo aparecer’. Ué, e Darwin não estava gagá e querendo aparecer quando escreveu The Descent of Man? Dois pesos, duas medidas? Watson é ‘gagá’, mas Darwin não. Darwin locuta, causa finita, oops, evolutio finita.

Parece ser a essência do artigo de Richard Nisbett, professor de psicologia da Universidade de Michigan, autor do livro “The Geography of Thought” (A Geografia do Pensamento), publicado originalmente no jornal "The New York Times", onde as diferenças inatas de inteligência entre raças só apareceriam em testes mal projetados.

JC E-Mail 3412, de 17 de dezembro de 2007

28. O cérebro não tem cor, artigo de Richard Nisbett

Diferenças inatas de inteligência entre raças só aparecem em testes mal projetados, afirma psicólogo norte-americano

Richard Nisbett, professor de psicologia da Universidade de Michigan, é autor do livro "The Geography of Thought" (A Geografia do Pensamento). Artigo publicado originalmente no "New York Times":

James Watson, laureado com o Prêmio Nobel em 1962, recentemente afirmou que se sentia "inerentemente pessimista quanto às perspectivas da África" e de seus cidadãos, porque "todas as nossas políticas se baseiam no fato de que a inteligência deles equivale à nossa, enquanto os testes apontam no sentido contrário".

As declarações de Watson causaram agitação porque implicavam que negros fossem geneticamente inferiores aos brancos, e a controvérsia resultou em sua renúncia ao posto de diretor do Laboratório de Cold Spring Harbor. Mas ele tinha razão? Existe uma diferença genética entre negros e brancos que condene os negros a uma perpétua posição de inferioridade intelectual?

A primeira discussão pública notável dessa questão científica surgiu em um artigo publicado em 1969 por Arthur Jenson, psicólogo da Universidade da Califórnia em Berkeley. Ele sustentava que a diferença de 15 pontos nos resultados de testes de QI dos brancos e negros se devia a uma diferença genética incontornável entre as duas raças.

Mas os argumentos que ele expunha tratavam de maneira enganosa as provas científicas. Outros estudiosos usaram esses argumentos depois -Richard Hernnstein e Charles Murray em "The Bell Curve" (A Curva do Sino), publicado em 1994, por exemplo, e recentemente William Saletan, em artigos para a revista "Slate"- e cometeram o mesmo erro.

Ambiente dominante

Na verdade, as provas favorecem fortemente a hipótese de que as diferenças de QI entre as raças têm origem ambiental e não genética.

O argumento hereditarista parte da alegação de que entre 60% e 80% da variação no QI é determinada geneticamente. No entanto, a maioria dos estudos de características herdadas se baseia em pessoas de classe média.

No caso dos pobres -grupo que inclui larga proporção de minorias étnicas-, um estudo recente de Eric Turkheimer, da Universidade da Virgínia, apontou que a influência hereditária é baixa, entre 10% e 20%. Isso significa que, para os pobres, melhoras no ambiente teriam maior potencial de gerar elevação do QI.

De qualquer forma, o grau de hereditariedade de uma característica nada nos informa sobre até que ponto ela pode ser influenciada pelo ambiente. Mesmo nos casos em que um traço é altamente herdável (por exemplo, a altura dos pés de milho), a mutabilidade também pode ser elevada (há diferenças que podem ser geradas pelas condições do cultivo).

Quase todos os indícios que sugerem uma base genética para o diferencial de QI são indiretos. Temos, por exemplo, uma correlação entre tamanho do cérebro e QI, e os negros têm cérebros menores que os brancos; no entanto, homens e mulheres, duas categorias que também possuem essa diferença, obtêm resultados semelhantes em testes de QI.

Por que depender de constatações indiretas e enganosas como essas quando dispomos de dados mais diretos quanto à base do diferencial de QI? Cerca de 25% dos genes da população negra norte-americana são europeus, o que significa que os genes de qualquer indivíduo podem variar de 100% africanos a majoritariamente europeus.

Caso os genes de inteligência europeus fossem superiores, então os negros que apresentam maior proporção de genes europeus deveriam ter QI superior ao dos negros com mais genes africanos.

Mas a cor da pele e os traços "negróides" do rosto -ambos indicadores da proporção de presença européia nos antepassados de um negro- apresentam correlação baixa com os resultados de QI (ainda que fosse possível esperar uma correlação moderadamente elevada devido às vantagens sociais que esses traços físicos conferem).

Diferença irrelevante

Durante a Segunda Guerra Mundial, soldados norte-americanos, tanto negros quanto brancos, tiveram filhos com mulheres alemãs. Assim, algumas dessas crianças tinham herança 100% européia e outras tinham considerável presença de genes africanos. Testados mais tarde em suas infâncias, os filhos alemães de pais norte-americanos brancos apresentavam QI médio de 97, e os de pais negros, de 96,5, uma diferença irrelevante.

Se os genes europeus conferissem vantagem, deveríamos esperar que os negros mais inteligentes apresentassem herança européia em grau substancial. Mas quando um grupo de pesquisadores tentou localizar as mais inteligentes entre as crianças negras no sistema escolar de Chicago e lhes perguntou sobre as origens raciais de seus pais e avós, as crianças como grupo não tinham maior proporção de genes europeus em suas origens do que a média da população negra da cidade.

Um dado ainda mais revelador é que exames de tipo sangüíneo foram usados para avaliar a presença de genes europeus em pessoas negras. Os exames de tipo sangüíneo não demonstraram correlação nenhuma entre o grau de herança européia e o QI. De maneira semelhante, os tipos sangüíneos mais estreitamente associados a um alto desempenho intelectual, entre os negros, não são mais europeus em origem do que outros grupos sangüíneos.

O que defensores do hereditarismo dispõem de mais próximo a uma prova direta é um estudo dos anos 1970, segundo o qual crianças negras adotadas por pais brancos tinham QI mais baixo do que crianças de etnia mista adotadas por pais brancos.

Mas, como reconheceram os pesquisadores, o estudo apresentava muitas falhas; por exemplo, as crianças negras haviam sido adotadas em idade substancialmente mais alta do que as crianças mestiças, e uma adoção em idade mais tardia apresenta correlação com QI mais baixo.

Prova ignorada

Um estudo mais cuidadoso de adoções -que os hereditários preferem ignorar- foi conduzido pela psicóloga Elsie Moore, na Universidade Estadual do Arizona, e envolvia crianças negras e mestiças adotadas por famílias de classe média, negras ou brancas. O estudo não constatou diferença de QI entre as crianças negras e as mestiças.

O mais revelador foi a constatação de Moore de que as crianças adotadas por famílias brancas tinham QI 13 pontos mais alto do que o das adotadas por famílias negras. Ou seja, o ambiente em que até mesmo crianças negras de classe média são criadas tende a favorecer menos o desenvolvimento de QI do que o ambiente da classe média branca.

Importantes pesquisas realizadas nos últimos anos ajudam a identificar com precisão exatamente que fatores determinam as diferenças em resultados de QI. Joseph Fagan, da Universidade Case Western Reserve, e Cynthia Holland, do Cuyahoga Community College, testaram brancos e negros quanto ao seu conhecimento de palavras e conceitos e sua capacidade para aprendê-los e usá-los durante um raciocínio.

Os brancos tinham conhecimento substancialmente maior de diversas palavras e conceitos, mas quando os participantes foram testados para a capacidade de aprender novas palavras, quer por meio de definições de dicionário, quer contextualmente, os negros apresentaram desempenho tão bom quanto o dos brancos.

Os brancos demonstraram melhor compreensão de ditados, mais capacidade de reconhecer similaridades e mais facilidade com analogias quando as soluções requeriam conhecimento de palavras e conceitos que tinham mais probabilidade de serem conhecidos pelos brancos do que pelos negros.

Mas quando essas formas de raciocínio foram testadas com palavras e conceitos conhecidos igualmente bem pelos brancos e negros, não foram constatadas diferenças.

Causa ambiental

Que o ambiente pode ter efeito considerável sobre o QI é um fenômeno demonstrado pelo chamado efeito Flynn. James Flynn, filósofo e pesquisador de QI da Nova Zelândia, estabeleceu que, no mundo ocidental como um todo, o QI subiu consideravelmente entre 1947 e 2002. Nos Estados Unidos apenas, a alta foi de 18 pontos.

Nossos genes não podem ter mudado o suficiente, no período em questão, para responder pela alteração, de modo que ela deve ter surgido em decorrência de poderosos fatores sociais. Essas mudanças, ao longo do tempo, também ocorrem entre as diferentes subpopulações humanas.

De fato, sabemos que a diferença de QI entre crianças brancas e negras de 12 anos de idade caiu de 15 para 9,5 pontos nos últimos 30 anos -período que de muitas maneiras favoreceu mais os negros do que as eras precedentes. O avanço dos negros no teste nacional dos EUA de avaliação de progresso educacional mostra ganhos semelhantes. O progresso em termos de leitura e matemática foi modesto entre os brancos, mas substancial para os negros.

O mais importante é que sabemos que intervenções em todas as faixas etárias, da infância ao ensino superior, podem reduzir a disparidade racial em termos de QI e realizações acadêmicas, às vezes de maneira substancial e em prazos surpreendentemente curtos.

Esta mutabilidade fornece nova prova de que a diferença de QI tem causas ambientais e não genéticas. E deveria nos encorajar, como sociedade, a garantir que todas as crianças recebam amplas oportunidades de desenvolver seus cérebros.
(Folha de SP, 16/12)