Darwin certo mesmo que por linhas tortas?

domingo, setembro 03, 2006

Desta vez eu vou concordar com Claudio Angelo, editor de ciência da Folha de São Paulo – realmente o livro para leigos "Uma Ampla Discussão – Charles Darwin e a Gênese do Moderno Pensamento Evolutivo" ["One Long Argument"], Funpec Editora, 195 págs., R$ 25, um clássico moderno da biologia do evolucionista alemão (naturalizado americano) Ernst Mayr (1904-2005) chegou ao Brasil com 15 anos de atraso, mas em tradução 'capenga'.

Desde a publicação do livro A Origem das Espécies (1859) de Darwin que livros sobre a Teoria [Geral] da Evolução têm sido dirigidos para o público leigo como técnica de 'convencimento epistêmico'. Dawkins segue esta linha de modo mais acentuado. Mayr parece ter sido a exceção, pois o seu livro "One Long Argument", publicado em 1991 nos EUA, foi voltado para público leigo do zoólogo teuto-americano considerado o "Darwin do século 20".

Charles Darwin definiu sua teoria evolutiva no "A Origem das Espécies" como "uma longa argumentação", e aí Claudio Angelo diz que a tradução brasileira acertou em cheio. Só que esta 'longa argumentação' enseja um debate público amplo e civil. É preciso atender ao convite de Darwin:

"Estou bem a par do fato de existirem neste volume pouquíssimas afirmativas acerca das quais não se possam invocar diversos fatos passíveis de levar a conclusões diametralmente opostas àquelas às quais cheguei. Uma conclusão satisfatória só poderá ser alcançada através do exame e confronto dos fatos e argumentos em prol deste ou daquele ponto de vista, e tal coisa seria impossível de se fazer na presente obra". [A]


A obra de Mayr erra ao afirmar que Darwin foi realmente 'o pai da seleção natural'. Aqui pesa sobre Darwin fortes suspeitas de que tenha plagiado a idéia de seleção natural de um naturalista inglês – Edward Blyth, que já tinha escrito sobre a seleção natural bem antes e que Darwin não poderia não ter tido conhecimento. Quem defende este lado 'cinzento' de Darwin é um historiador de ciência evolucionista Loren Eiseley. Vide o artigo postado neste blog sobre esta questão esdrúxula. Blyth era criacionista...

O confronto de Darwin não se deu apenas 'com os criacionistas', mas com vários cientistas importantes da Academia que aceitavam a evolução, mas tinham reservas quanto à teoria da seleção natural. Por que Darwin deixou várias questões epistêmicas fundamentais sem resposta mesmo após a publicação da "Origem"? Será que ele não tinha respostas? Será que as evidências encontradas na natureza eram contra as especulações transformistas de Darwin? Afinal de contas ele se propôs explicar a origem das espécies, e não explicou conforme Mayr destacou bem neste livro – o "A Origem das Espécies" não explica como novas espécies são produzidas...

Embora esse mergulho no darwinismo seja significativo por ter sido guiado por Mayr, Cláudio Angelo não destaca para os leitores o neodarwinismo – ou Moderna Síntese Evolutiva [1930-1940], é uma teoria ad hoc tentando conciliar as idéias darwinistas com as dos geneticistas e as dos taxonomistas, tendo sido criada para salvar a teoria da evolução de Darwin de sua insuficiência epistêmica. Embora a obra de Mayr "Sistemática e Origem das Espécies" (1942) tenha produzido o conceito de espécie, há controvérsia até hoje do verdadeiro significado deste conceito biológico de espécie...

Certa vez eu destaquei numa correspondência com alguns professores da UFMG que Darwin era "confuso", "contraditório" e até "constrangedor" no entendimento dos mecanismos de especiação, porque o 'plagiador' [???] da teoria da seleção natural não entendia os mecanismos da hereditariedade, pois os trabalhos de Gregor Mendel com ervilhas só foram conhecidos a partir de 1900.

Este livro de Mayr interessa muito mais aos historiadores de ciência do que aos leigos não-especialistas, pois o "Uma Ampla Discussão" é um livro de história das idéias e de filosofia da biologia evolutiva. Além disso, o livro veio com 15 anos de atraso, e o leitor ficará com a idéia de que o neodarwinismo 'sacramentou' as idéias de Darwin definitivamente. Ledo engano, o neodarwinismo é uma teoria científica em crise demandando uma profunda revisão ou descarte desde 1980.

Na V São Paulo Research Conference realizado no Auditório da Faculdade de Medicina da USP – de 18-20 de maio de 2006, apresentei o pôster UMA IMINENTE MUDANÇA PARADIGMÁTICA EM BIOLOGIA EVOLUTIVA:

O neodarwinismo (teoria sintética) é o paradigma atualmente aceito pela maioria dos cientistas para explicar cientificamente o fenômeno da evolução das espécies.

Há, porém, um grupo crescente de cientistas (a quem nomeio de evolucionistas agnósticos) que questionaram e questionam a validade científica do modelo neodarwinista.

Os historiadores de ciência D. Collingridge e M. Earthy descreveram o neodarwinismo como sendo um paradigma que perdeu a sua capacidade de resolver problemas científicos importantes. [1]

Em 1980, Stephen Jay Gould foi mais criticamente contundente - a síntese neodarwinista foi considerada efetivamente morta apesar de sua persistência como ortodoxia nos livros-texto de Biologia. [2]

Em junho de 2005, Massimo Pigliucci, professor no Departamento de Ecologia e Evolução na SUNY [State University of New York] escreveu numa resenha de um livro que o clamor de se revisar o neodarwinismo está se tornando tão alto que, espera-se, a maioria dos biólogos evolucionistas começará a prestar atenção. [3]

Por que a teoria sintética, apesar das discussões e debates sobre suas dificuldades teórico-empíricas tais como:

(a) Questões de padrão (como os organismos são interrelacionados e como nós sabemos isso?);

(b) Questões de processo (os mecanismos da evolução e os vários problemas em aberto naquela área), e

(c) Questões sobre a questão central (a origem e a natureza da complexidade especificada de informação biológica),
continua sendo o paradigma aceito pela maioria da comunidade científica?

Quais foram/são as estratégias de divulgação (científica/popular), de convencimento e ensino utilizadas para manter o status quo científico para a teoria neodarwinista?

Estas discussões e debates sobre as dificuldades estariam realmente apontando para o surgimento de uma nova teoria da evolução conforme sugerido por Stephen Jay Gould? Estamos assistindo a uma mudança paradigmática em Biologia à la Kuhn?

Se assim for, qual é o significado histórico para o atual ensino da Biologia e da História da Ciência Biológica? Está na hora de abandonarmos Darwin? Revisar ou descartar o neodarwinismo? Estamos assistindo a uma iminente mudança paradigmática em Biologia Evolutiva?

BIBLIOGRAFIA
1. COLLINGRIGDE, D. and EARTHY, M., “Science Under Stress: Crisis in Neo-Darwinism”, in History and Philosophy of the Life Sciences 12:3-26, 1990.
2. GOULD, Steve J., “Is a New Theory of Evolution Emerging?”, in Paleobiology 6:119-130, 1980.

3. PIGLIUCCI, Massimo, “Expanding Evolution”, in Nature 435, 565-566, 2 June 2005. A broader view of inheritance puts pressure on the neo-darwinian synthesis. Book reviewed: “Evolution in Four Dimensions: Genetic, Epigenetic, Behavioral, and Symbolic Variation in the History of Life” by Eva Jablonka and Marion J. Lamb. Bradford Books: 2005. 462 pp.
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NOTA
[A] DARWIN, Charles. Origem das Espécies. Belo Horizonte, Villa Rica, 1994, p. 36. Traduzido por Eugênio Amado.

O livro de Mayr chegou muito atrasado e pouco vai adicionar ao nosso conhecimento, pois o atual estado epistêmico do neodarwinismo é este acima que precisa ser abordado urgentemente nas universidades sem sanções acadêmicas e divulgado mais amplamente pelas editorias de ciência de nossa Grande Mídia Tupiniquim.

Por que isso não é discutido livre e amplamente? A ciência não é a busca pela verdade? Amigos, quando a questão é Darwin-ídolo, Darwin locuta, causa finita!