A TEORIA DO DESIGN INTELIGENTE – Parte 2

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Baseado nas obras dos teóricos do Design Inteligente: William A. Dembski e Michael J. Behe.

Detectando design em biologia

1. O argumento da complexidade especificada (William Dembski) [i]:

Para determinar se os organismos biológicos exibem complexidade especificada,[ii] os teóricos do DI focalizam em sistemas identificáveis (ex.: enzimas individuais, caminhos metabólicos e máquinas moleculares). Esses sistemas não somente são especificados por seus requisitos funcionais independentes, mas também exibem um alto grau de complexidade.

A complexidade especificada, como Dembski a desenvolve na sua obra, incorpora cinco elementos importantes:

A) Uma versão probabilística de complexidade aplicável aos eventos: a probabilidade pode ser vista como uma forma de complexidade. Elas variam inversamente: quanto maior a complexidade, muito menor será a probabilidade. O termo complexidade em complexidade especificada refere-se à improbabilidade.

B) Padrões condicionalmente independentes: os padrões que na presença de complexidade (ou improbabilidade) impliquem em ação de inteligência devem ser independentes do evento cujo design está em questão. O modo de caracterizar essa independência de padrões é através da noção probabilística de independência condicional. O termo especificada em complexidade especificada refere-se a tais padrões condicionalmente independentes - são as especificações.

C) Recursos probabilísticos: são o número de oportunidades para um evento acontecer ou ser especificado. Um evento aparentemente improvável pode tornar-se bem provável assim que suficientes recursos probabilísticos sejam fatorados. Por outro lado, tal evento pode permanecer improvável mesmo após todos os recursos probabilísticos disponíveis tenham sido fatorados. Os recursos probabilísticos são replicadores (o número de oportunidades para um evento ocorrer) e especificadores (o número de oportunidades para especificar um evento). Para um evento de probabilidade ser razoavelmente atribuído ao acaso, o número não pode ser pequeno demais.

D) Uma versão especificadora de complexidade aplicada aos padrões. Por serem padrões, as especificações exibem graus de complexidade variadas. Um grau de especificação de complexidade determina quantos recursos especificadores devem ser fatorados quando calculando o nível de improbabilidade necessária para excluir o acaso. Quanto mais complexo o padrão, mais recursos especificadores devem ser fatorados. Os matemáticos chamam a generalização disso de complexidade de Kolmogorov. A baixa complexidade especificadora é importante na detecção de design porque ela garante que um evento cujo design está em questão não foi simplesmente descrito após o fato e depois arrumado como se pudesse ser descrito como tendo ocorrido antes do fato.

E) Um número limite de probabilidade universal. Os recursos probabilísticos vêm em quantidades limitadas no universo observável. Os cientistas calculam que haja em torno de 1080 de partículas elementares. As propriedades da matéria são tais que as transições de um estado para o outro não pode ocorrer muito mais rápido do que 1045 por segundo (o tempo de Planck, a menor de todas as unidades de tempo fisicamente significativa). O universo mesmo é um bilhão de vezes mais recente do que 1025 segundos (admitindo-se que o universo tenha entre 10 a 20 bilhões de anos). Se qualquer especificação de um evento ocorrendo no universo físico requer pelo menos uma partícula elementar para especificá-lo e que tal especificação não pode ser gerada mais rapidamente do que o tempo de Planck, então essas limitações cosmológicas implicam que o número total de eventos especificados através da história cósmica não pode exceder 1080 x 1045 x 1025 = 10150. Assim, qualquer evento especificado de probabilidade menor do que 1 em 10150 permanecerá improvável mesmo após todos os recursos probabilísticos concebíveis do universo visível tenham sido fatorados. Isto é, qualquer evento especificado tão improvável quanto esse jamais poderia ser atribuído ao acaso. Para algo exibir complexidade especificada significa que corresponde a um padrão condicionalmente independente (especificação) de baixa complexidade especificadora, mas onde o evento correspondente àquele padrão ele tem uma probabilidade menor do que o número limite de probabilidade universal (10150) e portanto tem alta complexidade probabilística. Emile Borel, matemático francês, propôs 1 em 1050 como um limite de probabilidade universal, abaixo do qual (10-50) o acaso pode ser definidamente excluído, i.e., qualquer evento específico tão improvável quanto esse nunca poderia ser atribuído ao acaso.[iii]

Para explicarmos algo, nós empregamos três amplos meios de explanação: acaso, necessidade e design. Como um critério para detectar design, a complexidade especificada nos capacita decidir qual desses meios de explanação é aplicável. Ela faz isso respondendo a três perguntas sobre a coisa que estamos tentando explicar: É contingente? É complexo(a)? É especificado(a). Dispondo essas perguntas seqüencialmente como nódulos de decisão num gráfico, nós podemos representar a complexidade especificada como um critério para detectar design: o chamado “Filtro Explanatório” de Dembski.[iv]

Assim, onde for possível existir corroboração empírica direta, o design intencional estará realmente presente sempre que a complexidade específica estiver presente.

2. O argumento da complexidade irredutível (Michael Behe):

No livro A Caixa Preta de Darwin,[v] Michael Behe, professor de Bioquímica na Lehigh University, Pensilvânia, conecta a complexidade especificada ao design biológico através do seu conceito de complexidade irredutível.[vi] Behe define um sistema como irredutivelmente complexo se ele consistir de um subsistema[vii] de diversas partes interrelacionadas que removendo-se até mesmo uma parte torna a função básica do sistema irrecuperável.

Para Behe, a complexidade irredutível é um indicador seguro de design. Um sistema bioquímico irredutivelmente complexo que Behe considera é o flagelo bacteriano. O flagelo é um motor rotor movido por um fluxo de ácidos com uma cauda tipo chicote (ou filamento) que gira entre 20.000 a 100.000 vezes por minuto e cujo movimento rotatório permite que a bactéria navegue através de seu ambiente aquoso.

Behe demonstra que essa maquinaria intrincada nesse motor molecular - incluindo um rotor (o elemento que imprime a rotação), um estator (o elemento estacionário), juntas de vedação, buchas e um eixo-motor - exige a interação coordenada de pelo menos quarenta proteínas complexas (que formam o núcleo irredutível do flagelo bacteriano) e que a ausência de qualquer uma delas resultaria na perda completa da função do motor. Behe argumenta que o mecanismo darwinista enfrenta graves obstáculos em tentar explicar esses sistemas irredutivelmente complexos.[viii] No livro No Free Lunch, William Dembski demonstra como que a noção de complexidade irredutível de Behe se constitui numa instância particular de complexidade especificada. [ix]

Assim que um componente essencial de um organismo exibe complexidade especificada, qualquer design atribuível àquele elemento passa para o organismo como um todo. Para atribuir design a um organismo, ninguém precisa demonstrar que cada aspecto do organismo tem design intencional. Organismos, como todos os objetos materiais, são produtos de uma história e assim sujeitos à ação desgastante de fatores puramente materiais. Automóveis, por exemplo, ficam velhos e exibem os efeitos da corrosão, de granizo, e de forças de fricção. Mas isso não faz com que eles tenham menos design intencional. Do mesmo modo, os teóricos do DI argumentam que os organismos, embora exibindo os efeitos da história (e isso inclui os fatores darwinistas como mutações genéticas e seleção natural), também incluem um núcleo não eliminável que tem design intencional que não pode ser explicado unicamente por aqueles fatores.

O design inteligente e as tradições religiões

A principal ligação do DI com as tradições religiosas é através do argumento de design. Talvez o argumento de design mais conhecido seja o de William Paley. Ele publicou o seu argumento em 1802 no livro Natural Theology [Teologia Natural]. O subtítulo é surpreendente: Evidences of the Existence and Attributes of the Deity, Collected from the Appearances of Nature [Evidências da existência e atributos da divindade, coletadas das aparências da natureza]. O projeto de Paley era examinar os aspectos do mundo natural (que ele chamou de “aparências da natureza”) e delas tirar conclusões sobre a existência e atributos de uma inteligência responsável pelo design daqueles aspectos (Paley identificou como sendo o Deus do cristianismo).

De acordo com Paley, se alguém encontrar um relógio num campo (e assim não ter todo conhecimento de como surgiu o relógio), a adaptação das peças do relógio para dizer as horas garante que ele é o produto de uma inteligência. Assim também, de acordo com Paley, as maravilhosas adaptações dos meios para os fins nos organismos (como a complexidade do olho humano com a sua capacidade de visão) garantem que os organismos são produtos de uma inteligência. A TDI atualiza o argumento do relojoeiro de Paley à luz da contemporânea teoria matemática da informação[x] e da biologia molecular, pretendendo trazer este argumento de design para dentro da ciência.

Ao argumentar a favor do design dos sistemas naturais, a TDI é mais modesta do que os argumentos de design da teologia natural. Para teólogos da natureza como Paley, a validade do argumento de design não dependia da fertilidade das idéias teóricas de design para a ciência, mas no uso metafísico e teológico que alguém pudesse obter do design. Um teólogo da natureza pode apontar para a natureza e dizer, “Claramente, o designer deste ecossistema valorizou a variedade em detrimento à elegância”. Um teórico do DI tentando fazer de verdade uma pesquisa teórica de design naquele ecossistema pode responder, “Embora isso seja uma intrigante possibilidade teológica, como um teórico do DI eu preciso manter a pesquisa focalizada nos caminhos informacionais capazes de produzir essa variedade”.

No seu livro Crítica da Razão Pura, Immanuel Kant afirmou que o máximo que o argumento do design pode estabelecer é “um arquiteto do mundo que está limitado pela adaptabilidade do material com que trabalha, não um criador de mundo à cuja idéia [mente] tudo está sujeito”. Longe de rejeitar o argumento de design, Kant fez objeção quanto à extrapolação de seu uso. Para Kant, o argumento do design estabelecia legitimamente um arquiteto (isto é, uma causa inteligente cujas realizações de objetivos são limitadas pelos materiais do qual o mundo é feito), mas nunca pode estabelecer um criador que origina os próprios materiais que o arquiteto então modela.

O DI é totalmente consoante com essa observação de Kant. A criação é sempre sobre a fonte ontológica do mundo. O DI, como a ciência que estuda os sinais de inteligência, é sobre os arranjos de materiais preexistentes que apontam para uma inteligência. Portanto, a criação e o DI são bem diferentes.[xi]

Pode haver criação sem DI e DI sem criação. Por exemplo, pode haver uma doutrina da criação na qual Deus cria o mundo de tal maneira que nada sobre o mundo aponta para design. O zoólogo evolucionista Richard Dawkins escreveu um livro intitulado O relojoeiro cego: porque a evidência da evolução revela um universo sem design.[xii] Mesmo que Dawkins possa estar certo sobre o universo não revelar nenhuma evidência de design intencional, logicamente não se conclui que ele não foi criado. É logicamente possível que Deus tenha criado um mundo que não forneça nenhuma evidência de design. Por outro lado, é logicamente possível que o mundo esteja cheio de sinais de inteligência mas não foi criado. Esta era a visão dos antigos estóicos, no qual o mundo era eterno e não criado, mas mesmo assim um princípio racional impregnava o mundo todo e produzia marcas de inteligência nele.

As implicações do DI para as crenças das tradições religiosas são profundas. A ascensão da ciência moderna resultou num ataque vigoroso em todas as religiões que consideram o propósito, a inteligência, e a sabedoria como aspectos fundamentais e irredutíveis da realidade. O ápice desse ataque veio com a teoria da evolução de Darwin. A afirmação central da teoria de Darwin é que um processo material não guiado (variação aleatória e seleção natural entre outros mecanismos) poderia explicar a emergência de toda a complexidade e ordem biológicas. Em outras palavras, Darwin parecia demonstrar que o design em biologia (e, por implicação, na natureza em geral) era dispensável. Ao demonstrar que o design é indispensável para a compreensão científica do mundo natural, o DI está revigorando o argumento do design e ao mesmo tempo derrubando a concepção errônea de que a única forma de crença religiosa defensável é a que considera o propósito, a inteligência, e a sabedoria como subprodutos de processos materiais não inteligentes.


[i] O conceito de complexidade especificada foi usado pela primeira vez em 1973 por Leslie Orgel in The Origins of Life, e depois em 1999 por Paul Davies in The Fifth Miracle.

[ii] Na pesquisa da TDI, a complexidade especificada é um critério estatístico usado para identificar os efeitos de causa inteligente. Vide DEMBSKI, William. The Design Inference: Eliminating Chance Through Small Probabilities. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. Esta obra é rigorosamente técnica e fundamental para a compreensão da TDI como uma teoria científica de detecção de design na natureza. Para uma leitura menos técnica, vide No Free Lunch: Why Specified Complexity Cannot Be Purchased without Intelligence. Lanham, MD: Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 2002.

[iii] BOREL, Emile. Probabilities and life. New York: Dover Publications, 1962, p. 28

[iv] O “Filtro Explanatório” de Dembski aparece no livro The Design Inference, p. 37.

[v] BEHE, Michael. A caixa preta de Darwin. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

[vi] O conceito de Behe de complexidade irredutível estabelece na verdade três pontos importantes: lógico, empírico e explanatório. Do ponto de vista lógico - certas estruturas provavelmente são inacessíveis a um caminho darwinista direto, mas certas estruturas biológicas também têm complexidade irredutível, logo, elas também devem ser inacessíveis a um caminho darwinista direto. O ponto de vista empírico é a falta de êxito, ampla e sistêmica da biologia evolutiva em descobrir caminhos darwinistas indiretos que resultem em estruturas biológicas de complexidade irredutível - o que existe são ‘fantasiosas especulações’: razão para se duvidar e até rejeitar que os caminhos darwinistas indiretos sejam a resposta para a complexidade irredutível. O ponto de vista explanatório é sobre a adequação causal - o efeito em questão é a complexidade irredutível de certas máquinas bioquímicas, como é que ela surgiu? Em bases lógico-matemáticas os caminhos darwinistas diretos são excluídos. A ausência de evidência científica dos caminhos darwinistas indiretos é tão completa quanto é para a existência do Saci Pererê. Resta somente a inteligência, pois é característica da inteligência causar a produção de complexidade irredutível: design inteligente.

[vii] Dembski se refere a este subsistema como o “núcleo irredutível do sistema” - partes que são indispensáveis à função básica do sistema.

[viii] O desafio da complexidade irredutível à evolução darwinista é real e não procede a afirmação de que as idéias de Behe tenham sido cientificamente refutadas: “A resposta que eu tenho recebido por repetir a afirmativa de Behe sobre a literatura evolucionária - que simplesmente destaca o ponto sendo implicitamente feito por muitos outros, como Crick, Denton, [Robert] Shapiro, Stanley, Taylor, Wesson - é que obviamente eu não tenho lido os livros certos. Há, eu estou convencido, evolucionistas que têm descrito como as transições em questão poderiam ter ocorrido. Todavia, quando eu pergunto em quais livros eu posso achar essas discussões, ou eu não recebo nenhuma resposta ou alguns títulos que ao examiná-los não contém de fato os relatos prometidos. Que tais relatos existam parece ser algo que é amplamente conhecido, mas eu ainda estou por encontrar quem saiba onde eles existem” [David Griffin, in Religion and Scientific Naturalismo: Overcoming the Conflicts, Albany, NY: State University of New York Press, 2000, p. 287, nota #23]; “Não há relatos darwinistas detalhados para a evolução de qualquer sistema bioquímico ou celular, somente uma variedade de especulações para que assim fosse. É notável que o darwinismo é aceito como uma explicação satisfatória para um assunto tão vasto - a evolução - com tão pouco exame rigoroso de quão bem funcionam as suas teses básicas em específicos exemplos esclarecedores de adaptação ou diversidade biológicas”. [James Shapiro, da Universidade de Chicago, in “In the Details... What?”, National Review, 16 de setembro de 1996:62-65]. Curioso que Shapiro fez o mesmo comentário em sua obra acadêmica “Genome System Architecture and Natural Genetic Engineering in Evolution”, Annals of the New York Academy of Sciences 870, 18 de maio de 1999:23-25.

[ix] DEMBSKI, William. No Free Lunch. Lanham, MD: Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 2002, cap. 5, “The emergence of Irreducibly Complex Systems”, especialmente 5.10.

[x] A teoria de informação de Claude Shannon podia medir a capacidade de transporte de informação de uma dada seqüência de símbolos, mas não o conteúdo da informação.

[xi] O criacionismo científico está comprometido com as seguintes proposições:

CC1: Houve uma súbita criação do universo, da energia e da vida ex-nihilo.

CC2: As mutações e a seleção natural são insuficientes para realizar o desenvolvimento de todos os tipos de vida a partir de um único organismo.

CC3: Mudanças dos tipos de animais e plantas originalmente criados ocorrem somente dentro de limites fixados.

CC4: Há uma linhagem ancestral separada para humanos e primatas.

CC5: A geologia pode ser explicada pelo catastrofismo, principalmente pela ocorrência de um dilúvio mundial.

CC6: A Terra e os tipos de vida são relativamente recentes (na ordem de milhares ou dezenas de milhares de anos).

O design inteligente, por outro lado, está comprometido com as seguintes proposições:

DI1: A complexidade especificada e a complexidade irredutível são indicadores ou marcas seguras de design.

DI2: Os sistemas biológicos exibem complexidade especificada e empregam subsistemas de complexidade irredutível.

DI3: Os mecanismos naturalistas ou causas não-dirigidas não são suficientes para explicar a origem da complexidade especificada ou da complexidade irredutível.

DI4: Por isso, o design inteligente é a melhor explicação para a origem da complexidade especificada e da complexidade irredutível em sistemas biológicos.

[xii] Traduzido para o português do Brasil por Laura Teixeira Motta como O relojoeiro cego: A teoria da evolução contra o desígnio divino. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. Acertadamente traduziu ‘design intencional’, p. 18, no sentido epistêmico de design como efeito empiricamente detectável. Vide nota 1.